Esquema de corrupção atinge a segunda mais alta Corte de Justiça do Brasil

PF apura venda de decisões no STJ com movimentação de R$ 2 bilhões e ligação com assassinato de advogado.

Sexta-feira, 02/05/2025 — A Polícia Federal investiga um esquema estruturado de corrupção no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com indícios de venda de decisões judiciais em troca de propina, revelado a partir do assassinato do advogado Roberto Zampieri, ocorrido em 2023. As apurações apontam para a atuação do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves como operador central do suposto esquema, que envolveria acesso indevido a informações sigilosasinterferência em decisões judiciais e pagamentos a servidores públicos da mais alta corte infraconstitucional do país.

O caso ganhou notoriedade após o assassinato de Roberto Zampieri, advogado com atuação em Mato Grosso e sócio de Andreson Gonçalves em diversas empreitadas. O crime, que inicialmente foi tratado como homicídio comum, revelou-se parte de um conflito maior: segundo os investigadores, o mandante do assassinato seria um produtor rural insatisfeito com o prejuízo sofrido por decisões judiciais manipuladas, supostamente negociadas por Zampieri e Gonçalves junto a gabinetes do STJ.

A análise do conteúdo do celular de Zampieri, apreendido pela Polícia após o crime, expôs uma série de diálogos entre o advogado assassinado e o lobista Andreson Gonçalves. As mensagens indicam trânsito privilegiado de informações nos corredores do STJ, inclusive com acesso a minutas de votos de ministros e decisões em elaboração. Tais práticas, além de ilegais, representam uma violação frontal aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa.

Relatório do Coaf embasa rastreamento de propinas

Com base nas informações extraídas dos aparelhos de comunicação, a Polícia Federal solicitou apoio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que produziu um relatório detalhado sobre os fluxos financeiros envolvendo o grupo. A análise revelou movimentações atípicas que ultrapassam R$ 2 bilhões, distribuídas entre contas e empresas associadas a Andreson Gonçalves, sua esposa Mirian Ribeiro, e o próprio Zampieri.

Entre as transações consideradas suspeitas, destaca-se a transferência de R$ 4 milhões de uma empresa de Gonçalves para uma empresa vinculada à esposa de um assessor do STJ, identificado como Márcio Toledo Pinto. Pinto teria atuado nos gabinetes das ministras Isabel Gallotti e Nancy Andrighi, ambas integrantes da Corte.

Esse vínculo financeiro entre o lobista e o assessor, embora ainda sob apuração, revela possível canal de interlocução direta com magistrados, configurando um quadro alarmante de promiscuidade institucional e tráfico de influência. A conduta é tipificada no artigo 332 do Código Penal, com pena agravada em caso de envolvimento de servidor público em atividade de assessoramento junto ao Poder Judiciário.

Esquema de influência e captura institucional

Segundo o jornalista Aguirre Talento, responsável por série de reportagens no portal UOL e entrevistado no podcast UOL Prime, a complexidade do caso é reveladora de um modelo de captura institucional dentro da Justiça. “Só para ter uma ideia das cifras envolvidas, esse relatório do Coaf totalizou transações no valor de R$ 2 bilhões. Se todos os valores fossem lícitos, já seriam valores altíssimos a serem movimentados”, destacou Talento.

Na avaliação do jornalista, o crime de Zampieri funciona como “ponto de ignição” da investigação, mas o que se desenha é um sistema paralelo de poder operando na segunda mais alta corte do país, onde decisões judiciais passariam a integrar um mercado clandestino de interesses privados.

O apresentador do programa, José Roberto de Toledo, foi enfático ao comparar o caso a um “faroeste caboclo”, com armas, assassinato, corrupção sistêmica e lobby institucionalizado nos bastidores de Brasília.

O papel das esposas e o modus operandi empresarial

Outro elemento relevante da apuração é o uso de familiares e empresas de fachada para mascarar a origem e o destino dos recursos ilícitos. A esposa de Gonçalves, Mirian Ribeiro, figura como sócia de firmas que receberam repasses milionários e que teriam sido utilizadas para intermediar pagamentos vinculados ao esquema.

Esse modus operandi, bastante conhecido em esquemas de lavagem de dinheiro, é frequentemente utilizado para dificultar o rastreamento financeiro e garantir a aparência de legalidade às transações. A PF, segundo as fontes ligadas ao caso, segue a trilha do dinheiro como eixo principal para responsabilizar os envolvidos.

Repercussão e silêncio do STJ

Até o momento, o STJ não se pronunciou oficialmente sobre a investigação, tampouco confirmou se os nomes citados continuam exercendo funções na estrutura da Corte. A ausência de transparência institucional diante de indícios tão graves fragiliza a credibilidade do Poder Judiciário e levanta questionamentos sobre os mecanismos internos de controle e correição nos tribunais superiores.

A continuidade das apurações deverá exigir, nos próximos meses, a colaboração do Ministério Público Federal e eventual autorização judicial para afastamento de servidores e quebra de sigilos bancários e telemáticos.

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